Empreendi numa incursão até às minhas mais profundas memórias para tentar perceber desde quando vejo na 2.ª Circular o avião. Já foi um restaurante, já esteve abandonado e desde há uns anos tem sido palco para desnudada gente com métodos muito específicos para alívio de stress no final de um dia conturbado. O Avião, como era mesmo conhecido este clube nocturno nos últimos dias, foi desmantelado ontem na sequência de o seu proprietário, José Gonçalves, certamente gente boa, ter literalmente ido pelos ares num atentado à bomba no ano passado.
Tenho pena. Sempre nutri desde criança uma curiosidade muito especial pelos interiores do velho aparelho que se impunha à vista de quem entrava ou saía de Lisboa pelo lado norte da cidade. Reza a História que este avião que acaba de ser mascado pelas escavadoras e demolidoras aterrou um dia ali, por entre os anos 70, cheio de armas para tráfico. Lá a operação não terá ficado a dever muito ao "profissionalismo" e as autoridades portuguesas terão dado com a pandilha, apreendendo o aparelho. Aliás, não deixa de ser curiosa a linha de raciocínio de quem aterra um avião ao lado de um aeroporto numa óptica de ficamos aqui a ver se ninguém nos vê porque temos isto cheio de armas. Ter-se-ão esquecido que os aviões vêm pelo ar.
Vendido em leilão – porque mesmo no quem dá mais comprar um avião é coisa fina –, ali ficou a aeronave que pouco tempo depois viria a ser um restaurante. O strip-tease conferia já há vários anos outros voos para aquele espaço, mas a Câmara Municipal ditou esta semana o ponto final numa bela história que um dia poderia resultar num bom policial de bolso para o público-alvo do livro que dá de comer às traças.
Esta história acaba num processo de reciclagem. Talvez um dia tenhamos na mão uma qualquer embalagem que seja a reencarnação de alguns materiais ontem mastigados pelas famintas máquinas. Parece que se aproveita o trem de aterragem e um dos motores, que a TAP faz questão de reclamar para si para exibir num museu (espero que seja mesmo para um museu). E, repetindo-me, tenho pena. Acho que teria saída, o avião. Mais um restaurante, ou um hotel, porque não? Afinal, foram mais de 30 anos de paisagem que acaba em descampado.
1 comentário:
Também tenho pena. Quando, nos anos 80, comecei a vir da província até Lisboa, visitar a minha tia de Lisboa, ficava fascinado com aquele avião. O primeiro e talvez mais importante sinal de que, do outro lado, era o aeroporto. Ainda não passei por lá desde que ele levantou voo, mas vai ser estranho.
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