sexta-feira, março 20, 2009

Voltando à vaca fria

pobres-thumb Justifica-se este post com uma conversa que tive esta semana com uma pessoa próxima e sobre a qual ainda não consegui parar de cogitar pela perturbação que me causou. Essencialmente falava-se na ideia de que É na classe média que reside a verdadeira pobreza. E defendia-se ainda na cavaqueira que O Estado não ajuda devidamente as famílias, medindo-as pelo seu nível de rendimentos e esquecendo-se das despesas mensais inevitáveis que as afecta. Como que um desabafo, para ver se paro de pensar nesta confabulação recente, apetece-me explanar, nem que seja aqui, o conceito que tenho de pobreza e o papel da classe média e do Estado em tudo isto. E corrijam-me se estiver errado.

O meu interlocutor que me perdoe, mas acho que a ajuda do Estado à “Classe Média”, seja isso o que for, não pode de forma alguma ser uma prioridade, sobretudo nos países com economias mais frágeis. Eu sei que a “Classe Média” assim o reclama, mas acho que a “Classe Média” não está a ver bem o que é a pobreza nem vislumbra onde se situam as verdadeiras prioridades, não só de um Estado, mas de todos nós. É fácil falar de barriga cheia e até é fácil mudar o canal na televisão, mas a verdade é que não é fácil ver um casal com filhos em que ambos ficam desempregados de um dia para outro. Para este casal, já seria muito bom se pelo menos um deles tivesse emprego, ainda que com o ordenado mínimo. Não é fácil ver uma mãe a chorar porque não tem 20 euros para dar por uma lata de leite essencial para o seu bebé sem que outra coisa lhe possa dar. Não é fácil olhar para um filho e vê-lo condenado por não se poder alimentá-lo. Não é fácil ver alguém morrer porque lhe faltou um tratamento de muitíssimo baixo custo. Não é fácil ter de tirar um filho da escola e entregá-lo ilegalmente a uma têxtil que emprega mão-de-obra infantil para que haja pelo menos um ordenado no agregado. Isto sim, é a verdadeira pobreza. Está nas classes baixas. Existem. No nosso país. No Norte, sobretudo. Tornaram-se ainda mais visíveis depois dos despedimentos que recentemente fizeram correr tinta nos jornais.

Casos como este foram identificados muito recentemente por um projecto da Cruz Vermelha que concluía algo muito simples: as pessoas que dizem que precisam não são as que verdadeiramente precisam. Este projecto pôs-se em campo a tentar descobrir quem são os verdadeiros pobres e descobriu o que provavelmente nenhum de nós quer ver.

A pobreza existe. Mas a maioria da “Classe Média” nem imagina onde anda. A pobreza está em quem fica sem dinheiro depois de pagar a creche? Não, a pobreza está em quem nem sequer pode colocar algum dia a hipótese de pôr um filho numa creche. E quando um Governo tem poucos recursos para ajudar, tem de triar muito bem as suas prioridades.

Voltando ao exemplo da lata de leite... Talvez haja quem não saiba que quando um bebé é intolerante à lactose e a mãe não pode amamentar, a solução está numa fórmula alimentar – as famosas latas de leite para bebé – sobre a qual é permitido cobrar 25 euros por uma unidade de 900 gramas e que tem um prazo de três semanas depois de encetada. Tratando-se de um produto para bebés com poucos meses, nessas três semanas não se consegue consumir nem metade, pelo que mais de meio quilo da lata vai para o lixo. E há latas mais pequenas à venda? NÃO. Porque assim, a Nestlé cobra mais e, simultaneamente, obriga à compra de mais latas. E agora onde fica a prioridade de intervenção de um Estado? Onde estão os verdadeiros reguladores? Mas que eu saiba, este ponto nunca causou polémica.

Lembrem-se apenas de uma coisa: a “Classe Média” só pede, pede, pede. Mas os pobres (os verdadeiros pobres), esses costumam ter vergonha de pedir. E depois pensamos que não existem.

1 comentário:

Miguel Serradas Duarte disse...

A verdadeira importância da classe média está na relação directa que tem com os votos que representa. E deveria ser o padrão de uma sociedade. Mas não é…