sábado, junho 28, 2008

28 de Junho, 23h17

CRW_9549 pb – Chamaram-me?

A pergunta não poderia ter outro epíteto senão o de estúpida. O nome ressoado pelos altifalantes da sala de espera era claro, inconfundível. Ainda assim, há nestas situações, não sei se conhecem, aquela incredulidade do momento que leva os mais desprevenidos a um idiota double-check sobre o que se lhes atravessa à frente.

– É o pai da criança? –, pergunta com ar sorumbático a senhora de bata verde do lado de lá da porta entreaberta. Agora era a vez da pergunta da enfermeira de lhe parecer arrancada de uma caixa que tivesse estado enterrada a mil metros de profundidade. “Eu, para já, não sou pai de ninguém”, abalançou-se-lhe na ponta da língua. Mas prevaleceu o racional “Sou o acompanhante da grávida que acabou de entrar”. Enfiaram-lhe a bata da teimosia regulamentar do hospital e conduziram-no à sala de dilatação 1, que prometia ficar-lhe na memória durante boa parte do resto da sua vida.

Por entre a escuridão lá vislumbrou numa cama e ligado a um sem número de tubinhos aquela que brevemente iria ser a sua nova família condensada ainda num único corpo de mulher. Sem pregar olho e ao longo das oito longas horas que se seguiram, convenceu-se de que o exasperante, ininterrupto e volumoso trum trum vrum prum brum trum catrum chrum prum trum da máquina de CTG lhe iria assombrar as noites de muitos anos. O medonho som, ao ritmo médio de 150 pequenos estrondos por minuto, representava o batimento cardíaco misturado de mãe e bebé que às 5h30 da manhã se amalgamava ainda com a ensurdecedora chilreada dos pássaros na árvore que do lado de fora da janela terá testemunhado punhados sem conta de trabalhos de parto. Não que o barulho fosse propriamente indesejado. Na verdade, o que o afligia era mesmo o medo de que aquele som fosse desaparecesse por qualquer razão. Baixava e subia de ritmo, dava reviravoltas, num vrum trum prum mais lento, mais rápido, mais ou menos forte, e sacudia-o a vergonha de chamar a enfermeira de cinco em cinco minutos para que lhe dissesse que estava tudo normal.

A situação era para ele uma novidade, essa era a única certeza, e pouco mais havia a fazer senão reconfortar-se com a espera. A seu tempo algo acontecerá. “Gostava que viesse com os olhos da mãe e que lhe herdasse os canudinhos do cabelo”, lembra-se de ter pensado.

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